A tensão no bairro do Pinheiro e o reflexo nas áreas adjacentes.
Por: Emanuelle Borba
Às
margens da lagoa vivem os pescadores, crescem os nadadores e sonham os futuros
jogadores. No campo de visão do menino, ao longe, a vasta água da Mundaú, mais
próximo, os gramados do Mutange. Nas adjacências do Pinheiro, o seu bairro
também corre perigo, e o menino, torcedor azulino, que sonha em jogar bola pelo
CSA para tirar a família do morro não sabe porque a mãe não tira os olhos da
tevê.
Fundado
em 1922, os metros quadrados que hoje abrigam três campos, academia, sala de
imprensa e uma vasta dependência já foi campo. Já foi história. Primeiro
estádio da cidade, já recebeu até jogo internacional. Hoje? Só treinos
acontecem, mas com um toque de ameaça.
Desde fevereiro de 2018 o bairro do Pinheiro
teve presença na mídia e o motivo é tenebroso: problemas com rachaduras entre
as casas, sensações de tremores de terra. Os 19 mil moradores da região tiveram
o alerta de pânico acendido, e após um ano as projeções não são otimistas. As
rachaduras aumentaram e chegaram a vizinhança, o Mutange é um vizinho. Preocupando
os moradores lá do alto, a Defesa Civil ameniza com a distinção de áreas com
maior e menor risco, mas isso não inibe o fato que o menino, o pai e o avô
podem correr o risco de não verem mais um treino do Azulão em suas
dependências.
Mapa com grau
de fissuras na região do Pinheiro, o Mutange está localizado abaixo no mapa.
Foto: Divulgação
Apesar
da falta de ofícios e estudos conclusivos o alerta está ligado. Todos sabem
disso, do morador ao dirigente do CT. Mas ninguém quer partir, muito menos sem
respaldo financeiro. Seu Zé do morro e Raimundo Tavares, presidente do CSA, todos
cobram do governo mais transparência sobre o que está acontecendo. A incerteza
sobre o risco que os seus imóveis têm também devasta.
A estrutura do Mutange foi montada
abaixo de um morro onde residem moradores do bairro. Foto: Emanuelle Borba
A
visão é privilegiada. Do alto do morro podem ser vistos detalhes que o técnico
Marcelo Cabo esconde da imprensa, durante o treino fechado. Os moradores se
sentem sortudos pelo feito, mas tensos pelas notícias nebulosas sobre a
segurança estrutural que ameaça alguns bairros em Maceió. No fundo, ninguém
quer evacuar ou sair de casa como foram obrigados a agir os moradores do
Pinheiro, mesmo sob indenização municipal.
Fala, presidente!
2019
é um ano de ouro para o CSA. Além do título recente no estadual e do acesso em
competição nacional, o clube azulino volta a disputar a série A do campeonato
brasileiro após mais de 30 anos. Eis que a incidência que afeta a estrutura do Pinheiro
e dos bairros vizinhos esbarra com o investimento de milhões que vem sendo
feito para aperfeiçoar as dependências do Centro de Treinamento Gustavo Paiva.
Presidente
do conselho deliberativo, Raimundo Tavares, está ciente sobre os boatos, mas
evita acreditar em todas as especulações que amedrontam: ‘’eu, particularmente,
não acredito que possa acontecer algo no CT. Por enquanto, o que nos resta é
aguardar alguma definição por parte do governo, Defesa Civil... A nossa
situação é a mesma da de milhares de famílias que moram na região’’, disse.
Após
se tornar uma espécie de patrimônio, ficou claro que em caso de prejuízo a
diretoria do clube azulino é completamente respaldada legalmente para recorrer
pelos danos. Se evidenciado danos, com explicação baseada na extração da
Sal-Gema (hoje principal suposição como causadora dos acidentes), o corpo
judiciário do Centro Sportivo Alagoano entrará com ações em busca do
ressarcimento, já que não pode ser prejudicado por falha de terceiros: ‘’se for para sair de lá, o CSA precisa ser
beneficiado, assim como as famílias que residem na localidade.’’, concluiu
Raimundo.
Explicação especialista
A
situação dos moradores do Mutange é de preocupação, mas apesar do estado de
calamidade decretado pela prefeitura ainda existem pontos a serem acertados. Oficialmente,
segundo a defesa civil municipal, não há necessidade de evacuação nesse
momento. Vale ressaltar que apesar de serem regiões próximas, há uma distinção
na dimensão do problema quando comparado o quadro do Pinheiro com o do Mutange.
Basicamente,
a distinção do grau de preocupação pode ser explicada pelo tectonismo. O bairro
do Pinheiro, e sua extensão, encontra-se situado sobres duas placas tectônicas,
que quando mais movimentam, mais impactam de forma visível. Enquanto o Mutange,
estabelecido sobre uma placa, apenas, ainda que esta se mova (no sentido da lagoa,
por exemplo), tem alteração menos perceptível e consequências menos dramáticas na
construção civil. Esclareceu a assessoria da Defesa Civil de Maceió.
Mantendo a esperança
Após
novas entrevistas e informações, resta para os azulinos e moradores do Mutange
apenas a torcida – mais do que por um título, pela volta da estabilidade e paz.
Desde que tudo isso começou, assombra o torcedor e o dono da residência, o
mesmo medo de perder parte de si e da sua identidade. Por entre os morros,
subindo e descendo ladeira, um dos personagens é o seu Manoel dos Santos, que,
agora aposentado, conta 68 anos de Mutange.
‘’Isso
não vai se perder assim, eu sei que apesar de tudo, vamos continuar aqui. Nasci
e morro neste lugar, e ainda tenho muito pra viver. Ainda tenho muito a admirar
o CSA’’, disse o aposentado. A casa no Morro do Mutange é um símbolo de resistência.
Vista parcial do CT Gustavo Paiva.
Foto: Divulgação/Ascom CSA