Por Luiz Henrique Barroso de Carvalho e Vanessa Silva*
Parece avó, mas ainda é mãe. Talvez os cabelos alvos a denunciem. Talvez suas
características excêntricas – assim definidas pelos padrões estéticos da maioria das
pessoas – façam da antropóloga Silvia Martins uma pessoa única em simpatia,
competência e respeito. Com carreira acadêmica dedicada ao estudo antropológico do
xamanismo das tribos indígenas do agreste alagoano e pernambucano, a PhD
construiu uma carreira sólida na sua área e com certeza é exemplo para muitos
antropólogos aspirantes. Hoje em dia, calçando um par de alpargatas, exibindo belos
dreadlocks alvos e usando um sem-número de pulseiras, colares e brincos feitos com
sementes e outros artigos indígenas, Silvia atende pacientes para realizar terapias
homeopáticas com uso de florais e cristais na sala de cuidados Antonio Piranema, no
campus A. C. Simões da Universidade Federal de Alagoas.
A senhora construiu uma carreira acadêmica de renome enquanto antropóloga. A
jovem Sílvia imaginava conquistar tudo que você conquistou? Como foi se descobrir
pesquisadora?
Não me considero uma antropóloga de renome, não. Acho que a gente trabalha, se
esforça, vai construindo um caminho, mas nunca tive nenhuma pretensão de ser
exigente comigo mesma e ocupar um espaço. A gente vai trabalhando e construindo as
coisas ao longo do caminho. Mas realmente era um sonho meu, fazer o que eu faço
hoje, ser professora na Universidade Federal de Alagoas, trabalhando com
antropologia, trabalhando com xamanismo, que me chamou a atenção em
antropologia no início.
A senhora sempre se interessou pelas tradições indígenas e o xamanismo? Como
esses temas entraram na sua vida?
Desde o início, o que me atraiu – eu acho que as pessoas já estão cansadas de me ouvir
falar – foi a leitura de um livro de Carlos Castaneda, antropólogo brasileiro. Eu fiquei
encantada porque o livro tratava de um diálogo dele com Don Juan, um xamã
mexicano. Nesse diálogo, o autor expõe toda a filosofia indígena desse povo mexicano.
Eu fui atrás da profissão do escritor e vi que ele era antropólogo. Eu fiquei encantada e
achei lindo o termo “antropólogo” e pensei que queria ser antropóloga também.
Descobri na UFPE tinha o curso de Ciências Sociais com especialização em
antropologia. Passei em primeiro lugar no vestibular. Já na graduação, trabalhei com
apoio do Núcleo de Estudos Indigenistas da universidade, ligado ao curso de Letras. Na
época da minha graduação, não havia na UFPE ninguém trabalhando com grupos
indígenas no bacharelado de ciências sociais. Eu tive essa oportunidade de me vincular
ao NEI e inclusive ter apoio de financiamento de pesquisa já no bacharelado, voltada à
monografia sobre os Pankararu, um grupo indígena de Pernambuco. No mestrado,
resolvi fazer uma pesquisa dos Xucuru-Kariri daqui de Alagoas. Foi quando me
apaixonei por Alagoas e Maceió.
O que a levou a escolher os Kariri Xocó como objeto de pesquisa?
Eu tinha uma curiosidade pelo grupo Kariri Xocó. Era uma ligação porque tinha lido
uma tese de doutorado de Clarice Mota, que trabalhou com etnobotânica e com o
conhecimento da tribo sobre o assunto, como a relação com as plantas e o
xamanismo. Então me chamou muito a atenção por ser um grupo que carrega uma
tradição muito forte, ligados a rituais de Ouricuri, quando se isolam numa área perto
da floresta, na mata, à parte da aldeia. Eles têm ligação com os índios Fulniô de Águas
Belas, um grupo indígena que até hoje são falantes de uma língua viva. Então os Kariri
Xocó começaram a ganhar meu fascínio e admiração. Fiquei com vontade de
conhecê-los melhor, principalmente dentro da perspectiva do xamanismo. Eu já estava
trabalhando na Ufal quando mandei o projeto de pesquisa para uma universidade no
Canadá, que foi aceito. Eles davam 75% de desconto para estudantes internacionais.
Fui com bolsa e levei toda minha família. Foi uma sorte imensa. Geralmente, a
experiência de vida no exterior sozinha traz muito sofrimento e isolamento, há um
choque cultural muito grande. Mas no meu caso foi uma maravilha. Escolhi ir para um
país estrangeiro porque quis dar essa experiência aos meus filhos. Ficamos quatro anos
fora. Passamos nove meses em Porto Real do Colégio, quando estava fazendo minha
pesquisa de campo, e depois retornamos para o Canadá, quando ficamos mais um ano
e meio, enquanto escrevia a tese, a parte mais dura de todo o processo de
doutoramento. A convivência com os Kariri Xocó foi maravilhosa. Em Porto Real do
Colégio, nós moramos na cidade numa chamada “Rua dos Caboclos”, com vários
vizinhos e famílias indígenas. Foi uma experiência muito boa para todos nós.
Atualmente a senhora conduz um projeto com florais. Em que consiste esse
trabalho?
Esse meu trabalho com os florais surgiu a partir de um curso que eu resolvi fazer em
Recife, sobre florais da Amazônia. Hoje tenho quatro cursos de florais, incluindo um de
fórmulas e outro de ciclo de vida. Ao final do primeiro curso, quando cheguei em casa,
olho para o meu jardim imenso, onde há muitas flores e pensei: por que não faço
florais das flores do meu jardim? Sempre tive uma ligação muito grande com plantas.
Não é por acaso que eu fui conviver com os Kariri Xocó para pesquisar com eles
também sobre essa relação que eles têm com as plantas dentro do xamanismo. Eu
comecei a fazer alguns florais e batizei de Florais de Lis, em homenagem a minha filha
mais nova. Eu tenho feito atendimento na sala de cuidados Antônio Piranema nas
terças-feiras na Ufal. É um trabalho lindíssimo ligado à Famed. Graças a idealizadora
Edna, uma pessoa maravilhosa, conseguimos agregar vários atendimentos das mais
variadas terapias. Não só é lindo, mas é inovador e de ponta o trabalho da sala, já que
outros espaços estão sendo feitos em outras instituições. Os florais não se tratam de
remédios. Eu os considero como terapia, mas é algo que está inserido na medicina
vibracional e, nesse aspecto, eu me apoio em alguns autores, em especial o Richard
Gerber, que inclui dentro da abordagem de todas medicinas vibracionais a terapia
floral.
Quais contribuições trabalhos acadêmicos como o da senhora podem fornecer para a
sociedade?
Meu trabalho como antropóloga é ser professora e pesquisadora, então nesse aspecto,
sala de aula é um ambiente onde eu procuro contribuir para a formação acadêmica de
meus alunos. Eu sou exigente, quero que eles realmente aprendam a ser cientistas, a
ler trabalhos acadêmicos, a ter essa ligação. A contribuição que eu sinto que eu dou na
minha atuação profissional é na formação acadêmica dos nossos alunos. Eu considero
antropologia uma das ciências que estão aí para melhorar a qualidade de vida das
pessoas, como o pessoal da biologia que orienta sobre preocupação com o planeta
terra, com a vida.
No recente caso do incêndio do Museu do Rio de Janeiro, um grupo de
pesquisadores indígenas correram desesperados até o local em chamas na tentativa
de salvar peças do acervo que guardava a história da sua tribo extinta. Sobre o caso,
eles afirmaram que era como se tivessem sido extintos pela segunda vez. O que a
senhora pensa desse ocorrido?
Foi realmente uma tragédia o que aconteceu. Eu senti muito, eu já tive no museu.
Todos nós sentimos muito e realmente é algo irreparável, as perdas do acervo que não
tem como recuperar é algo muito triste, algo que a gente sabe que é fruto de uma falta
de cuidado em termos de manutenção, tudo relacionado a verbas. Eu acredito que o
que aconteceu foi por uma besteira, provavelmente, um curto circuito, e isso tudo
reflete a falta de cuidados que se tem hoje com esses nossos administradores, nossos
governos com essas questões ligadas ao cultural, a esses ambientes que são de
produção de conhecimento e de acervos como é o museu, então eu senti muito. Acho
que todos nós.
Quais conselhos daria a um(a) jovem pesquisador(a) que está iniciando agora sua
carreira na Antropologia e outras Humanidades?
O conselho que eu dou para as pessoas, para os meus estudantes, é seguirem o
coração, sabe? É seguirem aquilo que gostam de fazer. É seguir o interesse teórico, o
assunto que você quer pesquisar, descobrir. Eu acho que quando você segue seu
coração, você vai ser um bom profissional. Então façam as coisas com amor, com
vontade, paixão. É esse o grande segredo.
Quem é Silvia fora da Academia?
A Silvia Martins fora da Academia é uma pessoa muito só. No meu cotidiano, sou
muito só. Conheço muita gente, entro em ambientes onde sou muito querida, muitas
pessoas que me conhecem, mas no meu cotidiano eu sou só e gosto de ser só, não é
algo que reclamo. Eu costumo dizer que muitas vezes, em finais de semana, se eu não
ligo pra ninguém, ninguém liga pra mim. Eu consigo passar um fim de semana
totalmente voltado para aquilo que eu queira fazer, dentro do silêncio e tranquilidade
da minha casa. Isso é um grande privilégio, eu acho. Eu gosto muito de estar só e acho
que a gente tem uma dificuldade muito grande com isso, em estar só. A gente é criado,
desde pequeno, todos muito juntos, todo mundo sempre com alguém do lado. Eu
aprendi a gostar muito dessa solidão. Agora basicamente, sobre quem é Silvia Martins,
é mãe. Eu vivo muito pros filhos. Tenho 4 filhos. Eu sou aquela mãe que, quem olha
para mim, pensa que sou avó, mas na realidade ainda sou mãe. Gosto de me ocupar
com meus filhos, apesar de não me achar a melhor mãe do mundo em termos de
cotidiano, mas eu gosto muito de ter essa ligação. Se você passa pela vida sem ter tido
um filho, você perdeu algo, porque é uma relação e uma experiência muito boa. Eu
diria que tenho esse lado também de mãe muito forte fora da academia – e dentro
também, porque meus filhos estudaram na creche da Universidade e estavam sempre
presentes.
*Alunos do curso de Jornalismo, sob orientação da professora Magnólia Santos
*Alunos do curso de Jornalismo, sob orientação da professora Magnólia Santos