Manejo integrado diminui impactos causados por agrotóxicos no plantio da cana de açúcar em Alagoas
Por Bárbara Isis, Lívia Enders, Philipi
Accete e Rian Ferreira
Meio ambiente.
Produtores e trabalhadores rurais. Operários de diversas fábricas. Consumidores
do Brasil e do mundo. Todos são afetados diariamente por um produto químico
bastante utilizado e considerado extremamente perigoso: o agrotóxico. Desde a
Revolução Verde, em 1950, ele tem sido cada vez mais presente na produção de
diversos alimentos que vão à mesa da população, seja como forma de controle de
pragas, como de inibidores ou estimuladores de crescimento.
Segundo o
relatório nacional de Vigilância em Saúde de Populações Expostas a Agrotóxicos
(VSPEA) de 2016, vinculado ao Ministério da Saúde (MS), o Brasil está figurado
entre os maiores consumidores de agrotóxicos do mundo, apresentando prejuízos
não apenas ao meio ambiente, como também à saúde e ocasionando acidentes com a
manipulação errada do produto. A utilização de tais técnicas tem fomentado
diversos debates e polêmicas acerca do tema, uma vez que, tem se estimulado a
proliferação de plantas, doenças e pragas, e aumentado a necessidade do uso de
pesticidas.
Embora grande
parte seja voltada para o mercado exterior, a produção agrícola do Brasil é
realizada em larga escala devido ao vasto território, à qualidade do solo e ao
clima. Atualmente, o Brasil é grande produtor de mandioca, laranja, arroz,
banana, trigo, tomate e algodão. Além desses, os que mais se destacam, por
ordem de colheita, é a cana-de-açúcar, a soja e o milho. Essa produção
desenfreada favorece a grande utilização de agrotóxicos no país.
Dentre as áreas de
plantio que se sobressaem no Brasil, a cana-de-açúcar é uma das mais
cultivadas. Em Alagoas, a área estimada corresponde a 82% de sua produção
agrícola, sendo responsável por grande parte do abastecimento do açúcar e do
álcool. Além da cana-de-açúcar, o estado também é um excelente produtor de
mandioca, milho, fumo, laranja, dentre outros. Nesse cenário, os dados da
Agrofit, publicados no relatório de Vigilância em Saúde de Populações Expostas
a Agrotóxicos (Vigipeq) de 2015, mostram que foram utilizados aproximadamente
16 milhões/kg de agrotóxicos em Alagoas, somente em 2012.
Para auxiliar a
diminuição do uso desses produtos químicos, biólogos, engenheiros e
produtores agrícolas têm utilizado técnicas alternativas cada vez menos
agressivas ao meio ambiente e à saúde da população, e que também promovem
melhor equilíbrio ecológico. Além de evitar o desperdício de água, de realizar
coleta seletiva e reciclagem, métodos como adubos orgânicos, combinações de
culturas e controle biológico, realizados através do Manejo Integrado de Pragas
(MIP), tem sido considerado importantes aliados na preservação ambiental.
Um dos
procedimentos que mais cresce nas lavouras é a utilização do controle biológico
por meio do MIP, cuja apropriação do formato surgiu na década de 60. Segundo o
biólogo Gustav Enders, o MIP é importante por ter como finalidade o controle de
pragas através de técnicas que não tenham grande impacto ambiental. Ele fala
que é apenas o início de um planejamento agrícola para a diminuição do uso de
agentes químicos nas plantações, de forma que seja evitado um problema maior.
Gustav destaca
ainda que, no país, o controle de pragas tem como “cultura” utilizar
agrotóxicos. “O uso dos agentes biológicos começou a chamar atenção das pessoas
por diversos acontecimentos de desaparecimento de seres vivos que beneficiam a
plantação, causando grande impacto ambiental, principalmente em relação à
intoxicação. Hoje existe um grande esforço para adoção do manejo integrado de
pragas no planejamento agrícola para que esses efeitos sejam minimizados”,
complementou.
Antônio Rosário,
diretor técnico da Associação dos Plantadores de Cana do Estado de Alagoas
(Asplana), comenta que a utilização dos agrotóxicos foi um mal necessário
durante muito tempo para o controle de pragas. “Através de pesquisas
conseguimos ter o controle de pragas. O controle biológico é muito útil e
importante para Alagoas, para o Nordeste e para o Brasil, pois essas pragas
acontecem em todo o setor canavieiro”, frisou.
AGROTÓXICOS
COMO AGENTES INTOXICANTES
De acordo com a
Organização Mundial de Saúde (OMS), cerca de 70 mil pessoas são intoxicadas e
20 mil morrem por ano devido à inalação, manipulação e consumo de pesticidas -
de forma indireta - em países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil. Em
2013, o país notificou a incidência de 6,23 casos de intoxicações por
agrotóxicos em uma escala de 100 mil habitantes. Entre 2007 e 2017, houve um
aumento considerável de 87%, alcançando um total de 68. 873 casos.
O último Censo
Agropecuário do Instituto Brasileiro de (IBGE) de 2006, apresentou uma
predominância da agricultura familiar em Alagoas correspondente a 91% do
cultivo de terra. Sobre isso, o Vigipeq observa a sua fragilidade e analisa o
aumento do uso de agrotóxicos no estado. O documento evidencia que “devido às
características socioeconômicas, o grupo tende a ter menor acesso à tecnologia
e informação, o que pode resultar no aumento do uso de agrotóxicos na
plantação, em comparação aos demais produtores”. Outro ponto destacado pelo
Vigipeq trata-se da relação à exposição desses produtores às substâncias
danosas, devido à ausência de técnicas adequadas de manejo e ao uso de
Equipamentos de Proteção Individual (EPI).
A nutricionista
Verônica Nicácio alerta sobre o consumo de alimentos com esses agroquímicos,
que podem causar desde irritação na pele até vários tipos de cânceres, além de
desenvolver problemas neurológicos e cognitivos, paralisia, dificuldades
respiratórias, alergias, abortos e ainda, malformação do feto. “Existem
agrotóxicos usados no Brasil que já foram proibidos em outros países, mas a
falta de fiscalização faz com que ainda sejam usados aqui. Além disso, todos os
anos a Anvisa divulga o ranking de alimentos contaminados e o tomate, pimentão,
morango e cenoura sempre estão no topo da lista”, explicou.
Através da
Asplana, foi firmada uma parceria com a Fitoagro para a instalação de dois
laboratórios destinados à produção de agentes biológicos, ambos localizados em
Ipioca, na região metropolitana de Maceió. A empresa possui um laboratório de
fungos, destinado ao combate da cigarrinha e outro relacionado à produção da cotesia flavipes, uma espécie de
mariposa que atua no controle da proliferação da broca da cana, conhecida
cientificamente como diatraea saccharalis.
Empresa Fitoagro. Foto: Bárbara Isis. |
PRODUÇÃO
DOS AGENTES BIOLÓGICOS
Devido à parceria
com a Asplana, a principal produção da Fitoagro é o controle biológico da
broca, através do laboratório de produção das cotesias flavipes. Conforme explica o biólogo Gustav Enders, para
trabalhar a produção da cotesia é
preciso ter seu hospedeiro, que nesse caso é a broca da cana. No local, são
desenvolvidos os ciclos de vida das cotesias,
que é um parasita, e o ciclo de vida das diatraeas,
que são os hospedeiros.
Cotesia Flavipes. Foto: Bárbara Isis. |
De acordo com
técnico da Fitoagro, Luiz de Araújo, 95% da produção das cotesias e das diatraeas são destinadas às lavouras e
os outros 5% ficam no laboratório para dar continuidade ao controle biológico
através do manejo. “Começamos com a produção das brocas, na sala de Oviposição,
onde em tubos de PVC revestidos por papel manteiga são colocadas 30 fêmeas e 45
machos para acasalar. Essa quantidade é contabilizada porque a gente precisa
ter a certeza que todas as fêmeas colocaram ovos férteis”, disse.
Luiz explica que após 24 horas
acasalando, o papel manteiga é retirado. “Após esse período, o papel manteiga é
retirado, desinfectado e são revestidos em um papel alumínio e colocamos numa
caixa úmida para manter a massa do ovo. Essa atividade é feita para não
ressecar a casca do ovo e dificultar a saída da larva da broca”, ressaltou. Ele
conta que após um período de cinco dias, os ovos estarão escurecidos e prontos
para serem eclodidos.
Na sala de Dieta do laboratório, é
preparada uma pasta nutritiva que vai alimentar as larvas após a eclosão dos
ovos. A dieta é um composto artificial desenvolvida com a pesagem e divisão de
14 componentes naturais da cana-de-açúcar. Preparada em um microprocessador, o
preparo leva vitaminas, antibióticos, gérmen, farelo, sacarose, fibra,
proteínas, leveduras, compostos que substituem a cana e alguns outros
dominantes que evitam a proliferação de fungos, vírus e bactérias.
Dieta da diatrae saccharalis. Foto: Bárbara Isis. |
A eclosão ocorre
dentro de uma garrafa de vidro que possui a dieta no seu interior. “O papel
manteiga é cortado e são colocados cerca de 300 indivíduos por garrafa. A larva
vai eclodir, se alimentar da dieta, se desenvolver e vai para a sala de
desenvolvimento da broca, onde devem permanecer em temperatura e umidade
controladas entre 11 a 14 dias”, afirmou Luiz de Araújo. Após o
desenvolvimento, cerca de 95% das garrafas com as melhores e mais resistentes
pragas vão para sala de inoculação, já os outros 5% continuam o ciclo da praga
no laboratório.
Eclosão em 14 dias. Foto: Bárbara Isis. |
Das pragas separadas para a
continuação do ciclo, três são depositadas em uma caixa entomológica com a
dieta cortada em cubo e colocadas na sala de desenvolvimento. A cada cinco dias
são analisadas e retiradas para se desenvolverem até a fase adulta, quando
viram mariposas e são levadas novamente à sala de oviposição, onde o ciclo é
iniciado novamente.
As pragas
separadas para o desenvolvimento da cotesia
são oferecidas pelo corpo técnico às mais resistentes para serem parasitados
pela cotesia flavipes, onde a fêmea vai inocular a diatraea e passará por um processo de desenvolvimento.
Sala de Inoculação. Foto: Bárbara Isis. |
A sala de brocas
inoculadas é onde as larvas se desenvolvem e, após 12 dias, elas matam e saem
da broca, formando um casulo de seda, chamado de massa.
Formação do casulo de seda na sala de brocas inoculadas. Foto: Bárbara Isis. |
A partir disso,
são encaminhados para sala de coleta. No local, o ciclo da cotesia é encerrado,
onde são retiradas e separadas cerca de 23 massas por copo de 150ml, que dão em
média 1500 cotesias prontas para
serem comercializadas.
Francisco
Cavalcanti, engenheiro agrícola e diretor da Fitoagro, destaca que a produção
diária do laboratório rende cerca de 40 mil brocas inoculadas. Ele conta que o
custo desse agente biológico para o controle de pragas na plantação,
especificamente da cana de açúcar, é muito baixo. “Cada potinho desenvolvido
aqui na Fitoagro com cerca de 1500 cotesias
flavipes sai por um custo muito menor
que o uso de agrotóxicos, que corresponde a aproximadamente R$ 5,90 por copo.
Vale ressaltar também que depois que a broca entra na cana, não tem outro
inseticida que resolva, só o biológico, e seu alcance médio é de quatro copos
por hectare de plantação”, completou.
O trabalho com o
controle, o manejo e a integração entre o químico e o biológico tem refletido
em menos problemas ao homem e a natureza devido à sua eficiência e quando não
são utilizados agrotóxicos. Embora esses agroquímicos ainda continuem
existindo, a conscientização do produtor é necessária, principalmente em
relação ao custo, que é mais baixo. Esse controle é uma tecnologia alagoana,
altamente voltada para a cana-de-açúcar e tem se mostrado eficaz em qualquer
fase de desenvolvimento das pragas.