Condições insalubres e riscos à
integridade física ameaçam os profissionais da segurança pública, que se
arriscam para proteger a sociedade alagoana
Por Bárbara Isis e Lívia Enders
Os problemas do sistema prisional de
Alagoas vão além dos presos. Se a cadeia é um lugar inadequado, falta
iluminação, ventilação, superlotado, com celas caindo aos pedaços, então não apresenta condições de permanência e isso
também atinge quem trabalha no local. Além disso, constantes são as notícias
que surgem sobre tentativas de fugas, objetos perfurantes encontrados, drogas e
alimentação inadequada. Diante desse quadro, questiona-se, se a segurança
realmente existe.
Imagine trabalhar diariamente em um local onde
fugas e rebeliões são iminentes. A rotina é preocupante. O dever de sair de
casa para proteger a sociedade de pessoas privadas de liberdade é um desafio
constante. Imagine trocar a convivência com seus familiares e amigos por uma
atividade profissional perigosa e ver seus direitos minimizados frente a
catastrófica situação. O que acontece por trás das muralhas do cárcere? E os
direitos humanos desses trabalhadores, será que são realmente resguardados?
SOB
PRESSÃO
Esse temor é a realidade diária dos
agentes penitenciários de Alagoas que, na maioria das vezes, tem os seus
direitos violados e se veem às voltas da realidade tensa do sistema. Uns
simplesmente não suportam e são acometidos por várias doenças psíquicas, outros
acabam vivendo em isolamento social e alguns acabam encontrando formas de
minimizar os problemas, adotando comportamentos de risco.
O Brasil atualmente enfrenta a dura
realidade de uma quase guerra civil. Os confrontos entre facções ultrapassaram
a rivalidade dos bairros e estão nos sistemas penitenciários, onde os agentes
são as vítimas dessa triste história. Segundo dados Monitor da Violência de
2018, desenvolvido pelo Portal G1, Núcleo de Estudos da Violência da
Universidade de São Paulo (NEV/USP) e Fórum Brasileiro de Segurança
Pública,publicado em fevereiro deste ano, o país possuía 686.594 presos para
98.248 agentes. Esse dado corresponde a uma média de sete presos para cada
profissional.
Alagoas é um dos 19 estados que vêm
descumprindo o recomendado pelo Conselho Nacional de Política Criminal e
Penitenciária (CNPCP), que determina cinco presos para cada agente. Os dados do
Monitor da Violência indicaram que no Estado há cerca de 10,5 presos para cada
agente, já que conta com 624 profissionais para 6.540 detentos, ficando acima
da média do país.
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Raio X do Brasil e de Alagoas, segundo o Monitor da Violência 2018. Fonte: G1, NEV/USP e FBSP. |
De acordo com o Mapa Carcerário
divulgado em março pela Secretaria Estadual de Ressocialização e Inclusão
Social de Alagoas (SERIS), a população total de presos é de 8.058, presos,
entre provisórios, com medida de segurança, em regime fechado, aberto ou
semiaberto, além daqueles recolhidos em unidades federais. Desse número, 3.455
detentos estão em cumprimento de pena no semiaberto.
Com capacidade máxima de 3.723 vagas em todo o Complexo Penitenciário de Alagoas, atualmente, o número de presos reclusos nas unidades prisionais do Estado é de 4.603 para um quantitativo de aproximadamente 500 agentes, onde cada um é responsável por cerca de 9,2 detentos. O excedente da lotação total é de 23,6%, dificultando a efetividade e a segurança no trabalho dos profissionais.
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Dados do Complexo Penitenciário de Alagoas, segundo o Mapa Carcerário. Fonte: SERIS |
Esse número está distribuído por
todo o Complexo, que compõe o Presídio de Segurança Média Professor Cyridião
Durval e Silva (PSMPCDS), o Presídio do Agreste (PA), a Penitenciária Masculina
Baldomero Cavalcanti de Oliveira (PMBCO), a Penitenciária de Segurança Máxima
(PSM), a Casa de Custódia da Capital (CCC), o Centro Psiquiátrico Judiciário
Pedro Marinho Suruagy (CPJ), o Estabelecimento Prisional Feminino Santa Luzia
(EPFSL) e o Núcleo Ressocializador da Capital (NRC). As unidades estão
localizadas na parte alta de Maceió, exceto o PA, construído em Girau do
Ponciano.
Ciente
que o quantitativo de agentes não é suficiente para a quantidade de presos, o agente penitenciário e presidente do Sindicato dos
Agentes Penitenciários de Alagoas (Sindapen-AL), Kleyton Anderson Bertoldo,
afirma que novas contratações são necessárias. "É preciso um novo concurso
para aumentar o número de agentes efetivos, visto que o último ocorreu há 11
anos e não há nem previsão para a abertura de novos editais”, disse.
Informações contidas no último
Relatório de Inspeção Em Estabelecimentos Penais no Estado de Alagoas,
realizado em janeiro de 2015 pelo CNPCP, apresentavam questões referente a
contratação de novos agentes. "A falta de agentes penitenciários,
contatada durante a inspeção, prejudica todas as ações das assistências
(jurídica, educacional, de saúde e laboral)", informou o documento. O
trabalho desenvolvido por meio de escalas é insuficiente para atuação da
efetividade dos serviços, uma vez que os agentes precisam escoltar os presos
para banho de sol, acompanhamento em seus trabalhos e nos atendimentos médicos.
Para suprir essa carência, os
próprios profissionais realizam plantões extras para aumentar o quantitativo
diário, principalmente por turnos. Para os agentes com escalas de 24h, a
alimentação e o horário de descanso são realizados na própria unidade, embora
as condições apresentadas sejam mínimas.
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Alojamento dos Agentes Penitenciários de Alagoas. Fonte: Divulgação.
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Segundo a agente Maria (nome
fictício a pedido da entrevistada), somente esse ano foram encontrados objetos
estranhos na comida, como vidros, larvas e caramujos. Maria explica que as
refeições são produzidas com auxílio de alguns presos, em algumas unidades do
sistema, e que se alimentam tanto dos presos quanto os agentes penitenciários.
Ela conta também que o armazenamento dos alimentos não segue as mínimas
condições da Vigilância Sanitária e que diversas vezes houve a presença de
ratos no ambiente.
Além do aumento do número de
efetivos, Kleyton também destacou que a segurança do Complexo Penitenciário
também precisa ser melhorada, com investimentos para construção de presídios
modernos e mais seguros. “A falta de estrutura coloca em risco a vida dos agentes
e dificulta a ressocialização dos detentos. Trabalhamos em presídios que
parecem masmorras, sem condições mínimas de seres humanos serem colocados ali”,
desabafou.
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Na esquerda, em cima e embaixo, estrutura da Penitenciária Baldomero Cavalcante. No meio e na direita, estrutura do Presídio Cyridião Durval. Fonte: Divulgação |
A segurança pessoal dos agentes
também é um dos problemas enfrentados por esses profissionais, já que ficam
vulneráveis no exercício da profissão. Os equipamentos de segurança, como bala
clava e coletes à prova de balas, que deveriam ser utilizados, não são
suficientes e isso acaba colocando em risco a própria segurança. De acordo com
Miguel (nome fictício a pedido do entrevistado), trabalhar como agente
penitenciário é ficar atento o tempo inteiro, já que as ameaças são constantes
e o medo está sempre presente. “Os presos reconhecem os agentes pelos detalhes…
seja pela fala, pelo jeito de andar e até pelo olhar”, ressaltou.
Não o bastante, o agente José (nome
fictício a pedido do entrevistado) explicou que o adicional de periculosidade
foi reduzido de seus salários, e que somente os agentes que trabalham expostos a
riscos no desempenho de suas funções, como por exemplo a violência física, tem
direito ao recebimento.
Para o agente Marcos (nome fictício
a pedido do entrevistado), há 11 anos, o salário do agente penitenciário de
Alagoas era o melhor da Segurança Pública de Alagoas. “Esse é um trabalho que
posso não voltar para casa. Somos a última defesa da sociedade em relação aos
presos do sistema, e o Estado nos trata como se não tivéssemos nenhum valor”,
reforçou.
Segundo a socióloga e pesquisadora
Ruth Vasconcelos, que desenvolve trabalhos sobre a saúde, segurança no trabalho
e qualidade de vida dos agentes de Segurança Pública de Alagoas, o ambiente de trabalho em que
esses agentes estão inseridos torna sua atividade profissional estressante,
produzindo situações de riscos e vulnerabilidades permanentes. “Além das
condições de hostilidade e dureza do espaço físico em que trabalham, os agentes
penitenciários sofrem todo o processo de prisionização na medida em que, mesmo
não tendo cometido crimes, ficam submetidos às mesmas precariedades existentes
no sistema prisional”, explicou.
Ruth esclareceu ainda que o fato
dessas condições precárias existirem dentro do ambiente de trabalho exige que
tais profissionais recebam apoio institucional de modo que os problemas da
profissão possam ser trabalhados, que deve abordar as condições do indivíduo na
esfera subjetiva e psicológica. “Diante dessa realidade, os agentes vivem
adoecimentos e com sofrimentos subjetivos que ficam invisíveis aos olhos da
sociedade”, complementou.
Os agentes penitenciários são figuras de pouca
visibilidade social, dentre os profissionais da segurança pública, apesar da
importante função que desempenham, é o que aponta a pesquisa realizada pela
docente do curso de Direito da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) em 2013,
Elaine Pimentel. A insônia, o adoecimento físico e mental, a dependência
química (álcool, medicamentos e drogas ilícitas), problemas de relacionamento
da ordem social e interpessoal, insatisfação com o trabalho e o não
reconhecimento do papel de agente reintegrador, são alguns dos principais
sintomas apresentados por esses profissionais em decorrência do cárcere.
Para a realização da pesquisa,
Elaine conta que entrevistou cerca de 90 agentes penitenciários do complexo
penitenciário alagoano. Desses, 79% expressou o desejo de deixar de atuar como
agente para se dedicar a outra profissão. Ainda na pesquisa também foi
observado o alto índice de adoecimento entre os profissionais, em que 60% dos
entrevistados já haviam adoecido e solicitado licença médica de sua atuação no
Sistema Prisional.
Apesar da pesquisa ter sido
desenvolvida há cinco anos, os dados e questionamentos apresentados são
bastante atuais, visto que nada mudou até o momento. Embora sejam dados
relativos, que mudam constantemente ao longo dos meses, somente em março, cerca
de 20 agentes penitenciários estão afastados de suas funções devido à licença
médica. O Sindapen-AL explica que a pressão da profissão faz com que vários agentes
peçam licença médica a cada mês, ficando afastado das atividades e retornando
quando possível.
A atuação dos agentes penitenciários
no Complexo Penitenciário de Alagoas é de extrema necessidade para a sociedade
e para os presos que se encontram privados de liberdade. É importante que haja
uma maior atenção do Governo do Estado e de órgãos competentes para que os
profissionais continuem prestando um bom serviço ao Sistema. Diante do
apresentado fica claro que o exercício dos deveres desses profissionais não
recebe o devido reconhecimento, principalmente referente à segurança e saúde.
Muito se ouve falar sobre a
importância dos direitos humanos aos detentos, é preciso que esses direitos
sejam aplicados também na melhoria do sistema prisional e beneficie tanto os
presos quanto os agentes. Essa é uma profissão que possui uma valorização
funcional mínima, baixa remuneração e condições insalubres e desumanas para o
exercício de seus deveres, demonstrando que a função reintegradora da pena
privativa de liberdade pode afetar esses agentes penitenciários que vivem o
cotidiano carcerário.