Dados apontam causas associadas à depressão em decorrência da violência de gênero
Por
Bárbara Isis e Lívia Enders
A vida deixa de ter o mesmo sentido, a comida não tem mais o mesmo
sabor, as emoções não são mais as mesmas. Há quem diga “depois passa”, “um café
quente resolve”, “ouça uma música”, “é frescura de adolescente” ou, até mesmo,
“uma ‘boa’ noite de sono é o suficiente”. Talvez, o que muitos tenham
dificuldade de entender, ou simplesmente não busquem, é que calar nunca é o
correto. Não conversar, se isolar ou dormir são atitudes que nem sempre ajudam
a diminuir os problemas de quem é devorado por pensamentos suicidas.
Setembro é considerado o mês para se conversar sobre a prevenção
do suicídio. A campanha, idealizada pelo Centro de Valorização da Vida, é
realizada por meio de palestras e ações educativas. Contudo, é preciso
compreender que o assunto deve ser discutido o ano inteiro. Afinal,
conscientizar-se é a melhor solução para lidar com o problema, que assola mais
de 11 mil pessoas por ano no Brasil e pode acometer qualquer um, independente
de gênero, idade ou classe social.
A prática do suicídio não acontece de uma hora para outra. Ela vem
acompanhada de períodos turbulentos, de uma vida sem significado, de
transtornos não identificados e, principalmente, da depressão. Isso pode ser
agravado ou ocasionado por motivos particulares e diferenciados para cada
indivíduo. Essas são as razões as quais provocam alterações de humor onde o
sujeito não consegue lidar com seus sentimentos de maneira racional.
Catarina (nome fictício a pedido da
entrevistada) é mãe de uma vítima da patologia e há oito anos ajuda a filha a
enfrentar o transtorno. Ela relata as dificuldades de lidar com o problema
diariamente. "Somos eu e ela. Ela é a minha vida, a minha menina. Eu não
consigo imaginar a tristeza que ela sente, mas se eu pudesse estar no lugar
dela, sentindo a dor no lugar dela, permitindo que ela tenha uma vida feliz
como a de toda menina de 23 anos, eu faria”, desabafou a mãe.
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Catarina* sofre com a depressão da filha. Foto: Bárbara Isis. |
Apesar de receber acompanhamento
profissional e o apoio familiar ao longo de todos esses anos, Catarina conta
que a falta de vontade de viver fez com que sua filha tentasse suicídio no ano
passado. A jovem usou os próprios remédios do tratamento para provocar uma
intoxicação medicamentosa. Após o ocorrido, as sessões psicológicas e
psiquiátricas continuaram, e a mãe não tem medido esforços para que a filha
supere o problema. “Ela merece uma vida normal, e eu já vivi o que tinha para
viver”, acrescenta.
Segundo a psicóloga Marina Barbosa, o
quadro depressivo requer maior atenção dos familiares, pois são os primeiros a
identificar a mudança de comportamento dos acometidos pela doença. “É
necessário que a família estimule o afetado a fazer o tratamento e, em alguns
casos, até o acompanhe ao local onde esse suporte será dado, já que as vítimas
geralmente perdem o interesse pelas coisas. O tratamento pode ser realizado com
o auxílio de psicólogos e psiquiatras”, orientou a profissional.
Dados alarmantes
Segundo dados da Organização Mundial de
Saúde (OMS), o suicídio corresponde a 1,4% de todas as mortes no mundo. Entre
2011 e 2016, foram notificados pelo Sistema de Informação de Agravos de
Notificação (Sinan) 1.173.418 casos de óbitos e tentativas de suicídio no
Brasil, sendo 65,9% entre mulheres e 34,1% entre homens. A grande maioria está
concentrada na região Sul do país.
Em Alagoas, os números de tentativas de
suicídio são alarmantes. Nos últimos três anos, o Boletim Informativo do
Hospital Geral do Estado (HGE) mostrou que foram notificados cerca de 3.406
casos de violência no Estado, sendo 666 relacionados à tentativa de suicídio.
Maceió foi a capital com maior número de casos, chegando a 438. Do total de casos notificados, 29 evoluíram para óbito. O meio mais utilizado pelas vítimas tem sido o envenenamento/ intoxicação, presente em 87% dos casos.

Cultura do medo
De
acordo com o primeiro Boletim Epidemiológico sobre Suicídio no Brasil,
publicado em setembro deste ano, as principais causas de óbito e tentativas de
suicídio estão relacionadas ao estresse agudo, violência de gênero, abuso
infantil e/ou discriminação. Alagoas está entre os 15 estados mais violentos
para mulheres viverem, independentemente do tipo de violência que elas venham a
sofrer.
Para
a OMS, a violência não resulta necessariamente em lesões ou morte, mas a tudo
que oprime as pessoas e as famílias. Desse modo, muitas formas de violência
contra as mulheres, por exemplo, podem resultar em problemas físicos,
psicológicos e sociais. Essas consequências podem perdurar por anos após o
abuso inicial, e o maior número de tentativas e suicídio estão relacionados a
esse tipo de violência. Um dos principais motivos para o quadro depressivo e o
pensamento suicida está relacionado a uma fuga de sofrimentos que se quer
esquecer.
Beatriz
(nome fictício a pedido da entrevistada) foi vítima de violência sexual quando
criança. Como grande parte das pessoas que sofrem esse tipo de agressão, há
anos ela tenta se restabelecer de tudo que passou.
“Os abusos sexuais que sofri quando tinha 11 anos e já adulta mexeram muito comigo. Eu tive dificuldade em me relacionar com as pessoas e me tornei muito agressiva. Problemas como bulimia, anorexia e hipersexualização do meu corpo foram desenvolvidos, e eu achava que isso era normal. Apesar de tudo, não conseguia conversar com ninguém”, revelou.
Diante
de tudo isso, a jovem alagoana enfrentou um quadro intenso de depressão e
tentou tirar a própria vida. “Eu só fazia o básico para viver. Passei a ter
pesadelos e dificuldades para dormir, sumi da vida dos meus amigos e comecei a
pensar em me matar. Não que eu quisesse morrer, mas eu não aguentava mais me
sentir um lixo e queria acabar com aquilo tudo”, lembrou.
A psicóloga Marina
Barbosa explica que, a partir da psicanálise lacaniana, as mulheres são
mais propensas à angústia, quando comparadas aos homens. “Elas estão mais
suscetíveis a sofrer violência por parte do parceiro. Lógico que não podemos
negar a questão social que existe por conta do machismo, mas esses dados podem
explicar porque muitas permanecem por anos em um relacionamento abusivo”,
pontuou.
Ainda de acordo com
Barbosa, quando levadas ao auge da depressão, no qual muitas vezes há o
confronto entre a angústia e a dor das situações que lhes são impostas por
serem mulheres, essas vítimas podem tentar o suicídio e, dependendo de como
seja isso feito, obter êxito na tentativa.
Onde buscar ajuda?
A
prevenção do suicídio tem recebido maior atenção nos últimos anos. Alagoas
conta com 44 unidades de atendimento voltadas à saúde mental, que integram a
rede de Centros de Apoio Psicossocial (Caps). Maceió possui cinco Caps, porém somente
quatro são responsáveis pelo tratamento contra o suicídio: Dr. Rostan
Silvestre, no bairro da Jatiúca; Casa Verde, no Pinheiro; Sadi Feitosa de
Carvalho, na Chã de Bebedouro e Enfermeira Noraci Pedrosa, no Jacintinho. As
unidades contam com 15 psiquiatras e 20 psicólogos. Há também 12 psiquiatras e
54 psicólogos para atender pacientes nas Unidades Básicas de Sáude (UBS), sob
responsabilidade da Secretaria de Saúde da Capital.
Além
dessas alternativas, o tratamento pode ser encontrado no Centro de Promoção
de Saúde, Educação e Amor à Vida (CAVIDA), uma Organização Não Governamental
(ONG) sem fins lucrativos, fundada em 2012, no bairro de Mangabeiras. No local
é ofertado atendimento psicológico, principalmente para pessoas que já tentaram
suicídio ou apresentam fatores de risco, e para familiares que tenham perdido
algum ente vítima de suicídio.
Atualmente, a ONG possui 14 voluntários, com atendimento médio de oito
pacientes por dia, chegando a cerca de 160 pessoas por mês. As estratégias de
prevenção e conscientização utilizadas são os grupos de apoio, atendimento
psicológico e psiquiátrico, apoio familiar, trabalhos recreativos, palestras e
cursos.
Setembro Amarelo
Iniciada
pelo Centro de Valorização da Vida, Conselho Federal de Medicina e Associação
Brasileira de Psiquiatria, a campanha Setembro Amarelo destina-se à
conscientização sobre a prevenção do suicídio. O objetivo é alertar a população
acerca da gravidade do problema no Brasil e no mundo. Desde 2015, a
campanha ocorre em setembro, por meio de ampla divulgação de informações. A
iniciativa ganha força no dia 10 do referido mês, data definida mundialmente
como o Dia de Prevenção ao Suicídio.